Com dietas pobres em nutrientes e ricos em calorias, cresce a obesidade aliada à subnutrição
Nove a cada dez países, entre eles o Brasil, estão à beira de uma epidemia de saúde conhecida como “carga dupla da má nutrição”: obesidade e desnutrição convivendo lado a lado.
Entre as diversas causas disso estão a ampla oferta global de alimentos não saudáveis, o aumento do trabalho em escritórios (ou seja, em ambientes sedentários) e o uso crescente de meios de transporte e de entretenimento em telas.
É comum notarmos essa dupla carga não apenas dentro de comunidades, mas em uma única família – ou uma única pessoa, que pode estar obesa e, ao mesmo tempo, não estar ingerindo nutrientes vitais.
Há também o fenômeno do “gordo-magro”: pessoas que parecem ter um peso saudável, mas que carregam em seu corpo grandes quantidades de gordura escondida.
Atualmente, todos os países do mundo lutam com algum tipo de problema nutricional.
No que diz respeito à privação crônica de alimentos, havia em 2016 estimadas 815 milhões de pessoas passando fome, um aumento de 5% ao longo de dois anos. Grande parte desse aumento se deu na África, onde 20% das crianças são desnutridas.
Enquanto isso, as taxas de obesidade triplicaram nos últimos 40 anos. No mundo, mais de 600 milhões de adultos estão obesos, e 1,9 bilhão estão acima do peso.
E o número de obesos em países em desenvolvimento está rapidamente alcançando o de países desenvolvidos.
As mais altas taxas de obesidade infantil do mundo estão na Micronésia, no Oriente Médio e no Caribe.
Na África do Sul, quase um a cada três meninos está acima do peso ou obeso, ao mesmo tempo em que outro terço está abaixo do peso adequado.
No Brasil, 36% das meninas está acima do peso ou obesa, enquanto 16% estão abaixo do peso ideal.
Relatórios compilados pelo Ministério da Saúde apontam que 20% das crianças brasileiras sejam obesas e cerca de 32% da população adulta tenha excesso de peso.
Uma preocupação é com o crescimento do sobrepeso entre a população mais pobre – algo atribuído ao consumo de alimentos baratos excessivamente calóricos, à baixa orientação nutricional e aos altos índices de sedentarismo.
O que se vê, em geral, é um distanciamento dos alimentos tradicionais, ao mesmo tempo em que cresce o consumo de açúcares, gorduras e carnes e que cai o de grãos e leguminosas.
Com isso, ingere-se grande quantidade de calorias, mas poucas vitaminas e minerais essenciais.
Ranjan Yajnik, professor especialista em diabetes em Pune, na Índia, está assistindo em primeira mão aos efeitos dessas mudanças na dieta.
“A diabetes costumava ser uma doença de pessoas mais velhas e obesas”, diz. “Mas, na Índia, temos visto a doença em jovens, com baixo IMC (índice de massa corporal).”
Os indianos, assim como muitos brasileiros, estão comendo menos alimentos nutritivos e consumindo mais calorias vindas de “junk food”, diz Yajnik, levando ao chamado problema do “magro-gordo” – “pessoas que estão magras pela maioria dos critérios, mas têm em si grandes quantidades de gordura escondida”.
Nesse cenário, bebês e crianças desnutridos dividem o teto com adultos com diabetes e obesidade.
Contra a fome
Crianças são particularmente vulneráveis a dietas não saudáveis, uma vez que necessitam de vitaminas e minerais para crescer e se desenvolver.
É por isso que muitos lares abrigam crianças subnutridas que têm a mesma alimentação – pobre em nutrientes – que seus pais obesos.
Pesquisas mostram ainda que crianças de baixa estatura e subnutridas têm maior propensão à obesidade mais tarde na vida, já que seu metabolismo é mais lento e seus corpos tendem a fazer maiores reservas de gordura.
Por isso, países têm de prestar atenção para que políticas voltadas ao combate à fome não acabem, sem querer, aumentando o poblema de excesso de peso.
No Chile, nos anos 1920, um programa nacional de alimentação para mulheres grávidas e crianças de até 6 anos reduziu a fome, mas no longo prazo acabou levando a um aumento nas taxas de obesidade infantil.
Países ricos
Embora a carga dupla da má nutrição seja especialmente prevalente em países em desenvolvimento, é um problema presente também em nações ricas – no Reino Unido, por exemplo, um quarto dos adultos é obeso, ao mesmo tempo em que 3,7 milhões de crianças moram em lares sem condições de seguirem padrões alimentares adequados.
E 10% dessas crianças vivem em condições de extrema insegurança alimentar.
Gráfico: taxa de obesidade entre adultos por região
Na União Europeia, 14% dos jovens de 15 a 19 anos estão abaixo do peso, e uma proporção similar apresenta sobrepeso ou obesidade. No entanto, mais da metade dos maiores de 18 anos apresentam excesso de peso ou são obesos, enquanto apenas 2% estão com peso abaixo do normal.
Escolhas alimentares
As causas desta “carga dupla” são complexas.
Não é apenas uma questão de acesso a alimentos saudáveis, e não há duas pessoas ou culturas que encarem a nutrição da mesma maneira.
Nossas escolhas alimentares são influenciadas por muitos fatores – e podemos não estar cientes de muitos deles.
Elas envolvem custo, disponibilidade local, pressão do tempo, conhecimento sobre alimentação saudável e a dieta das pessoas ao nosso redor.
Além disso, as necessidades nutricionais de cada pessoa são diferentes. Dependem em parte do seu metabolismo e de quão boa é sua saúde.
O custo para o indivíduo e para a sociedade da hiper e subnutrição são numerosos.
As crianças que crescem desnutridas geralmente têm um desempenho pior na escola e ganham menos durante toda a vida.
A obesidade infantil costuma levar a uma piora do estado de saúde na idade adulta, aumentando o risco de doenças como o câncer.
A desnutrição representa um risco principalmente para pessoas idosas – duas vezes mais propensas a precisar de assistência médica e internações hospitalares.
Progressos
Nos países em desenvolvimento, problemas como diabetes e doenças cardíacas tendem a aumentar junto às taxas de obesidade.
Para os sistemas de saúde que tradicionalmente se concentram em doenças infecciosas, como a malária, e contam com orçamentos reduzidos, este vai ser um enorme desafio.
O que pode ser feito? A América Latina – onde muitos países, tal qual o Brasil, sofrem com a “carga dupla” – está mostrando o caminho.
O Brasil foi o primeiro país a assumir compromissos específicos com a Década de Ação para a Nutrição da ONU. As metas incluem deter o crescimento da obesidade, reduzir o consumo de bebidas açucaradas em 30% e aumentar a ingestão de frutas, verduras e legumes em 18%.
A ideia é alcançar os objetivos a partir do desenvolvimento de políticas como microcrédito para agricultores, redução de impostos sobre certos alimentos frescos e educação infantil sobre nutrição.
O México foi, por sua vez, o primeiro país a implementar um “imposto sobre o açúcar”, impondo uma taxa de 10% sobre bebidas adoçadas artificialmente em 2014.
A expectativa é que este imposto reduza as taxas de obesidade em 12,5% num prazo de 12 anos. Outros países, como o Reino Unido, estão adotando agora medidas semelhantes.
Porém, são necessárias muito mais ações para deter a crise global de nutrição.
Fonte: Dra Sophie Hawkesworth e Dra Lindsay Keir Da Wellcome Foundation – BBC.com